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Extinção da punibilidade do acusado pelo pagamento integral do débito tributário

William Henrique Willms

27 jun, 2023

Extinção da punibilidade do acusado pelo pagamento integral do débito tributário

Neste artigo vamos abordar, resumidamente, a possibilidade jurídica para defesa trazida pela Lei nº 10.684/2003, no que concerne ao direito de extinção da punibilidade do acusado que é alvo de persecução criminal em virtude do pagamento integral do débito tributário perseguido.

Como é de conhecimento comum, o exercício da atividade empresarial no Brasil é mesmo tarefa árdua, dotada de diversos desafios e responsabilidades para todos os empresários e empresárias que se aventuram no campo da iniciativa privada.

Nessa ordem de ideias, não são raras as ocasiões em que muitos empresários não conseguem arcar com as obrigações tributárias derivadas de suas respectivas empresas, por motivos alheios a sua vontade (ou não), podendo estes incorrem em uma série de crimes tributários tipificados pela Lei nº 8.137/1990, por figurarem como sócios-administradores no quadro societário, conforme reiteradamente ocorre em processos criminais envolvendo a apuração da prática do famigerado delito de sonegação fiscal.

No exemplo do delito de sonegação fiscal é importante lembrar que a natureza do tributo devido definirá a competência para sua apuração e posterior julgamento. Tal como se o imposto devido pertencer aos estados federados ou aos municípios, será competente para julgá-lo a Justiça Comum Estadual, ou no caso de o imposto devido pertencer a União, será competente a Justiça Especializada Federal.

Superadas tais questões preliminares, passa-se ao ponto nevrálgico do presente escrito: a possibilidade legal de a quitação integral do débito tributário devido ensejar na extinção da punibilidade do “agente sonegador”, com o consequente arquivamento da denúncia criminal.

Esta premissa defensiva parte do que dispõe expressamente a redação do artigo 9º, §2º, da Lei nº 10.684/2003. Vejamos:

"Artigo 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos artigos 168-A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 — Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
[…]
§2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios."

Da leitura do dispositivo legal acima, nota-se que o legislador não fixou um limite temporal dentro do qual o adimplemento da obrigação tributária e seus acessórios significaria a extinção da punibilidade do agente pela prática da sonegação fiscal.

Nesse sentido firmou-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

"CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. PAGAMENTO DO TRIBUTO. CAUSA DE EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. ARTIGO 9º, §2º, DA LEI 10.684/2003. COAÇÃO ILEGAL CARACTERIZADA. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO.
1. Com o advento da Lei 10.684/2003, no exercício da sua função constitucional e de acordo com a política criminal adotada, o legislador ordinário optou por retirar do ordenamento jurídico o marco temporal previsto para o adimplemento do débito tributário redundar na extinção da punibilidade do agente sonegador, nos termos do seu artigo 9º, §2º, sendo vedado ao Poder Judiciário estabelecer tal limite.
2. Não há como se interpretar o referido dispositivo legal de outro modo, senão considerando que o pagamento do tributo, a qualquer tempo, até mesmo após o advento do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, é causa de extinção da punibilidade do acusado.
3. Como o édito condenatório foi alcançado pelo trânsito em julgado sem qualquer mácula, os efeitos do reconhecimento da extinção da punibilidade por causa que é superveniente ao aludido marco devem ser equiparados aos da prescrição da pretensão executória.
4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para declarar extinta a punibilidade do paciente, com fundamento no artigo 9º, §2º, da Lei 10.684/2003."
(HC 362.478/SP, relator ministro JORGE MUSSI, 5ª TURMA, julgado em 14/09/2017, DJe 20/09/2017).

Ainda, nesse mesmo entendimento da Corte Superior:

"CRIMINAL. HC. CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. FORMAÇÃO DE QUADRILHA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. LEI 10.684/03. PAGAMENTO INTEGRAL DO DÉBITO. COMPROVAÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. CONTINUIDADE DELITIVA. CRIME ÚNICO. QUITAÇÃO DA DÍVIDA TRIBUTÁRIA. NÃO DESCARACTERIZAÇÃO DO DELITO DE QUADRILHA. INEXISTÊNCIA DE VÍNCULO ASSOCIATIVO. ILEGALIDADE NÃO VERIFICADA. IMPROPRIEDADE DO WRIT. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
Hipótese na qual os pacientes foram denunciados pela suposta prática do crime previsto no artigo 1º, incisos I, II e IV, da Lei nº 8.137/90, c/c artigo 71 do Código Penal, e artigo 288 do Estatuto Repressor. Comprovado o pagamento integral do débito tributário, incide, à hipótese dos autos, o §2º do artigo 9º da Lei nº 10.684/2003, ensejando o trancamento da ação penal, eis que extinta a punibilidade. Precedentes do STF e desta Corte.
[…]
Deve ser reformado o acórdão recorrido, determinando-se o trancamento da ação penal instaurada contra os pacientes apenas quanto ao crime tributário, em virtude da extinção da punibilidade pelo pagamento integral do débito. Ordem parcialmente concedida, nos termos do voto do relator".
(STJ — HC: 50157 SC 2005/0193492-0, relator: ministro GILSON DIPP, Data de Julgamento: 07/11/2006, T5 — QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 18.12.2006 p. 416)

Logo, a partir destes fundamentos, verifica-se que é possível juridicamente obter a extinção da punibilidade dos crimes fiscais materiais previstos na Lei nº 8.137/1990 quando, de fato, estiver certificado o pagamento integral do débito fiscal perseguido na denúncia oferecida. Aliado a isso na ótica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal entende-se que "a nova lei tornou escancaradamente clara que a repressão penal nos crimes contra a ordem tributário é apenas uma forma reforçada de execução fiscal". (AP 516 ED, relator: ministro AYRES BRITTO, Relator p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, Julgado em 05/12/2013).

Desse modo, tais razões sustentadas acima, nos parecem suficientes a autorizar o reconhecimento da extinção da punibilidade de acusados com relação a suposta prática do crime tributário previsto no artigo 1º, inciso II, da Lei nº 8.137/1990 — sonegação fiscal —, em decorrência da quitação integral do débito tributário que deu ensejo ao oferecimento da denúncia [Notificação Fiscal emitida], independentemente da certificação de trânsito em julgado do processo criminal, podendo ser extinta a qualquer tempo, inclusive em fase de execução da pena alcançando assim a pretensão executória estatal.

Artigo disponível em https://www.conjur.com.br/2022-out-28/william-willms-pagamento-integral-debito-tributario/.